O modelo que associa a aprendizagem presencial à remota não é mais opção, mas uma necessidade no mundo escolar pós-pandemia
[Reprodução do artigo publicado na Revista Mundo Escolar, No. 11/Dezembro de 2020]
Dentre os diversos setores e públicos que foram afetados diretamente pelas consequências da pandemia do novo corona vírus, o segmento da educação é um dos que teve impacto direto.
Em agosto, uma pesquisa do Instituto Data Senado, produzida pelo Senado Federal, mostrou que, no Brasil, dos 56 milhões de matriculados na educação básica e superior, 35% (ou 19,5 milhões) tiveram suas aulas suspensas. Outros 58% (32,4 milhões) migraram totalmente para o ensino remoto.
Falar de ensino híbrido é trazer para a metodologia do dia a dia a junção desses dois mundos. “O conceito de blended learning é justamente o de ser misturado; não é um Ensino a Distância (EAD), mas um modelo que associa o ensino presencial ao remoto”.
A definição acima foi dada pela educadora Maria Inês Fini, nome reconhecido da Educação brasileira, ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e que, nas últimas décadas, tem se dedicado intensamente para entender e adequar os melhores caminhos e metodologias no ensino brasileiro.
Aos 72 anos, a doutora em ciência, professora, pedagoga e pesquisadora brinca que estava pensando em aprender a fazer crochê, mas não conseguiu: em 14 de outubro, em conjunto com uma equipe de docentes, anunciou uma nova e relevante empreitada no ensino brasileiro, a Associação Nacional de Educação Básica Híbrida – ANEBHI.
Uma associação e sua missão
Sem fins lucrativos, a proposta de um órgão destinado ao ensino híbrido surgiu diante da necessidade de inspirar iniciativas nas diversas realidades educacionais no país, em todas as etapas e modalidades da educação básica.
A ideia é utilizar de boas práticas na aprendizagem remota com o objetivo de solucionar demandas e melhorar o ensino presencial – que, segundo os preceitos da associação, é algo imprescindível.
Nas palavras que identificam o novo órgão, está a busca por dar metodologia, cientificidade e robustez ao ensino híbrido. Um conteúdo que será direcionado às escolas e ao educador, que poderá ter essas diretrizes como base.
Evolução sob pressão
Em recente entrevista ao jornal O Globo, a professora Maria Inês forneceu uma declaração que ecoou nas estruturas de ensino ao redor do país.
Ao falar sobre o impacto do isolamento social causado pela pandemia, ela trouxe que uma evolução que estava sendo esperada para os próximos dez ou 15 anos, teve de acontecer “da sexta para a segunda-feira mesmo”.
“Houve uma mudança muito drástica, professores se transformaram em youtubers, as famílias que, até então, eram importantes mas em um papel mais coadjuvante, passaram a ser protagonistas – e o docente assumiu uma certa coadjuvância, e não foi uma relação fácil de se estabelecer”, conta, relembrando os primeiros momentos da interrupção das aulas.
O pânico estabelecido nos períodos iniciais impactaram a professora, que iniciou um trabalho de gestão de crise, literalmente, colocando-se à disposição de toda a rede.
Nos últimos meses, atendeu por telefone e videoconferência, tirou dúvidas e orientou gestores, professores e, até mesmo, pais de alunos. Em alguns casos, participou de lives transmitidas para as famílias, dizendo que a situação seria superada e esse período, no futuro, recuperado.
Esse contato foi responsável para que tivesse contato com experiências transformadoras que enriqueceram o ensino híbrido ao redor do Brasil.
“Exemplos lindos, como o de gestores que fizeram contato com emissoras de rádio de suas cidades e reservaram, diariamente, uma hora da programação para exposição do conteúdo; e, até mesmo, professores que conseguiam transmitir os conteúdos ao aluno, com ajuda dos vizinhos da casa do estudante”, relata.
Desmistificar o ensino híbrido
Ao citar exemplos colhidos na adaptação ao isolamento social, a professora reforça um ponto que, em muitos casos, é deixado de lado, quando se fala em ensino híbrido.
“Eu sempre trabalho com três afirmações: informação não é conhecimento; memória não é inteligência; e tecnologia não é pedagogia”, pontua.
Essa premissa de Fini alerta para uma situação bastante comum no ambiente educacional. Nos últimos tempos, diante do inegável avanço, há uma tendência de relacionar as possibilidades de ensino híbrido, obrigatoriamente, à devices, plataformas e interfaces tecnológicas de última geração.
“É preciso olhar além: a essência está muito mais ligada ao planejamento pedagógico, tanto que não é só na internet, é possível fazer com rádio, com a televisão – a ideia é ampliar (e não substituir) as capacidades presenciais”, afirma.
A observação chama a atenção para um outro desafio que a professora assumiu, como presidente do conselho deliberativo da TV Escola, uma verdadeira instituição nacional que pode ser multiplicadora dessas propostas.
Nesse sentido, os bons exemplos que já são colhidos ao redor do país estão relacionados a gestores e professores que conseguiram, através de histórias de protagonismo, estabelecer o equilíbrio entre instituição, conteúdo, professores, família e tecnologia.
Outra característica interessante sobre o blended earning é, justamente, a ausência de um modelo fixo de implementação. O desenvolvimento tem sido aplicado de acordo com a realidade e a necessidade de cada núcleo escolar. E, sempre, é indispensável que a formação dos professores receba a atenção necessária para que eles possam ser facilitadores desse processo.
Para 2021, pensando já na organização do ano letivo, Maria Inês observa que a modalidade do ensino híbrido assume um papel de plataforma ideal para o professor organizar a reposição de conteúdos, referentes ao período em que as aulas foram interrompidas. E, de certa forma, isso vai acontecer naturalmente.
“Mesmo que não assumam, as instituições de ensino vão utilizar o ensino híbrido – e, na minha opinião, não estou falando apenas dos anos de 2020 e 2021, mas, também, das atividades em 2022 –, é um caminho sem volta e não algo que poderemos decidir se queremos ou não”, conclui.
[Revista Mundo Escolar – Dezembro 2020]