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19/08/2025
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Cuidar dos professores é cuidar do futuro: O que esperamos dos nossos professores?
Esperamos que a escola prepare nossos filhos para o vestibular, para o mercado de trabalho, para a vida. Que forme cidadãos éticos, críticos, conscientes, solidários. Que ensine conteúdos, mas também valores, empatia, respeito, autocontrole. Esperamos que os professores estejam sempre prontos, bem informados, atualizados, engajados, pacientes, atentos a cada detalhe, a cada dificuldade dos alunos. Esperamos que ensinem bem, corrijam rapidamente, estejam disponíveis para reuniões, acolham as famílias, administrem conflitos e cuidem das emoções das crianças. Esperamos, esperamos muito. Mas será que oferecemos a esses profissionais o mínimo necessário para que tudo isso seja possível?
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O que temos feito, como sociedade, para apoiar quem está na linha de frente da educação? Os dados, os relatos e a realidade cotidiana mostram um cenário preocupante: professores sobrecarregados, mal remunerados, adoecidos e, cada vez mais, desmotivados. A evasão docente e o desinteresse dos jovens por seguir carreira na educação revelam que há algo estruturalmente errado. Precisamos, com urgência, colocar em pauta a pergunta fundamental: se desejamos uma escola de qualidade, como vamos cuidar dos nossos professores?
O professor é figura central na formação do sujeito e na construção de uma sociedade crítica, solidária e democrática. No entanto, paradoxalmente, trata-se de uma das profissões mais desvalorizadas da atualidade. Apesar de desempenharem um papel essencial no desenvolvimento humano e social, os professores enfrentam, hoje, uma crise sem precedentes: falta de reconhecimento, remuneração insuficiente, adoecimento físico e emocional, agressões verbais e físicas, sobrecarga de trabalho e um preocupante desinteresse das novas gerações pela profissão. Diante desse cenário, torna-se urgente discutir: como cuidar do professor? Como protegê-lo em um contexto de exigências crescentes e pouca valorização?
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) já explicita o papel abrangente e exigente do professor: além de ensinar, é sua responsabilidade participar da elaboração da proposta pedagógica, elaborar planos de trabalho, zelar pela aprendizagem, planejar recuperações e articular escola, família e comunidade. Essa multiplicidade de funções já sinaliza o quanto a docência é complexa e exige formação sólida, sensibilidade, criatividade e compromisso.
Contudo, na prática, a realidade mostra que o professor é cobrado como se fosse o único responsável pelos resultados da educação. A escola, instituição coletiva e social por excelência, tem sido palco de uma lógica individualizante, em que o fracasso escolar é muitas vezes atribuído unicamente ao docente. Os efeitos disso são visíveis: estresse, frustrações, distúrbios de voz, depressão, ansiedade, insônia e altos índices de afastamento por licenças médicas.
Essa exaustão não é apenas física, mas emocional. Muitos professores relatam uma perda de sentido e prazer em seu trabalho. O adoecimento psicológico, como afirma Santos (2015), leva à autodesqualificação do profissional, à perda da identidade docente e ao sentimento de impotência diante de tantas demandas e tão poucos apoios.
Além disso, há a desvalorização econômica: salários baixos forçam muitos docentes a assumirem múltiplos vínculos empregatícios, o que compromete a qualidade da atuação e o tempo de planejamento e descanso. Essa precarização não apenas desestimula quem já está na profissão, mas afasta os jovens de desejarem trilhar esse caminho. Hoje, diversas licenciaturas em áreas estratégicas, como física, química e matemática, enfrentam uma alarmante falta de candidatos. A obsolescência da profissão, como aponta Santos, já é uma realidade. E a consequência disso será, mais adiante, a escassez de professores em sala de aula.
Outro fator relevante é a deterioração do vínculo entre escola e comunidade. Embora a LDB e os estudos educacionais reforcem a importância da parceria entre família e escola, o que se observa, muitas vezes, é o contrário: pais que, em vez de apoiarem o trabalho do professor, adotam posturas agressivas e desrespeitosas. Agressões verbais e até físicas passaram a fazer parte do cotidiano de muitas escolas, criando um clima hostil que inviabiliza o processo educativo e afasta o profissional. Como pode florescer o ensino em um ambiente de medo?
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) alerta que a sobrecarga e a falta de controle sobre as tarefas tornam o trabalho docente altamente estressante. No entanto, quando há apoio, tanto de colegas quanto da gestão escolar, os impactos negativos podem ser atenuados. A criação de ambientes colaborativos, espaços de escuta, planejamento em equipe e reconhecimento simbólico e institucional são medidas urgentes e possíveis. É preciso também fortalecer os espaços de formação dos professores, para que eles se reconheçam como sujeitos históricos e protagonistas na construção de um novo modelo educacional.
Assim, valorizar o professor vai muito além de ajustar salários ou oferecer bônus esporádicos. Como defende António Nóvoa, essa valorização precisa ser profunda, estruturante e contínua, abrangendo tanto o aspecto material quanto o simbólico. Significa, por um lado, garantir condições dignas de trabalho, com remuneração justa, carga horária equilibrada e acesso à formação continuada de qualidade. Mas também exige, por outro lado, um reconhecimento social real da importância da docência.
Nóvoa reforça que o professor não é apenas um técnico que repassa conteúdos, mas sim um ator central na formação de cidadãos conscientes, um profissional autônomo que ensina, orienta, acolhe, inspira e forma. Para ele, a valorização docente passa por devolver aos professores sua autoridade pedagógica, sua dignidade profissional e seu papel de protagonistas na construção de uma sociedade democrática. Valorizar o professor é reconhecer que, sem ele, não há projeto educativo possível. E, se esperamos uma educação melhor para nossas crianças, adolescentes e jovens, precisamos, antes de tudo, valorizar os professores.
Por fim, é preciso lembrar que educar, como ensinou Paulo Freire, é um ato de amor. Amor que precisa ser reconhecido, valorizado, respeitado. Porque sem professor, não há escola. Sem escola, não há futuro. E sem futuro, não há sociedade. Cuidar do professor é, portanto, um compromisso ético, político e civilizatório. Se quisermos uma escola que acolha, transforme e emancipe, precisamos começar cuidando de quem está na linha de frente: o professor.