A escola e a família na trilha da formação humana e cidadã
Por Jacqueline Pádua de Oliveira
Com muita frequência, ouvimos, lemos ou fazemos comentários do tipo: “o mundo está muito violento.” “Não há respeito para com o outro.” “As crianças e os adolescentes estão muito agressivos e indisciplinados.” A violência e o desrespeito estão aumentando ou são sensações e temores que experimentamos em virtude de novas expectativas de vida? Esperamos viver em uma cidade, país e mundo mais humanizado?
É provável que a expectativa de viver em um mundo mais humano, nos faça prestar mais atenção em atitudes desrespeitosas ou violentas, deslegitimando assim tais comportamentos e ambicionando construir relações éticas.
Ficamos assustados, preocupados e indignados com as cenas de racismo, homofobia e violência contra a mulher presentes em nosso cotidiano. Porém, para aqueles que não reconhecem o outro como igual (termo usado no sentido da igualdade humana entre todos), tais atitudes são vistas como naturais, já que para esses, a sociedade ideal é aquela do privilégio e da superioridade de alguns e o outro, visto como inferior ou como uma ameaça a mim, ao que sou e tenho ou ao meu modo de vida – e frequentemente como ambos, inferior e ameaçador.
A discussão iniciada representa parte de um debate que vem ocorrendo em várias escolas e que passa pela compreensão da necessidade de se construir um projeto de educação onde haja, não só espaço, mas também planejamento e ações que contribuam para a formação de valores humanos.
Contudo, educar para a igualdade, a solidariedade, o respeito, a vida coletiva e democrática não passa apenas pela exortação genérica ou pelo estabelecimento de regras, como muitos creem. É mais complexo. Quando uma criança vive em um ambiente onde o valor de alguém está naquilo que ele possui ou no quanto se assemelha aos padrões e modos de vida próprios daquela criança e de sua família e não no sujeito, no ser, ou quando é natural humilhar as pessoas, certamente terá dificuldade para aceitar e reconhecer os valores éticos como necessários à sua vida. Inúmeros crimes ou infrações cometidas, hoje, ocorrem em função desta inversão de prioridades, como os furtos, latrocínios, ofensas morais, racismo, homofobia entre outros. As crianças, adolescentes ou jovens avaliam: “eu sou o que eu tenho e não o que eu sou. Logo, vale tudo para ter o que eu desejo?” “Eu sou melhor que o meu colega, por isso, coloquei esse apelido nele.”
A escola não está isolada da sociedade. Ela é parte dela. Portanto, dentro das escolas estarão presentes todos os desafios morais ou éticos com que a sociedade se defronta. Muitas vezes, os pais dizem: “meu (minha) filho (a) aprendeu isto na escola.” Talvez sim, talvez não – e talvez sim e não. Pois as crianças, desde bem pequenas, estão inseridas em diferentes espaços, grupos ou instituições e a escola não é a única instituição a fazer parte de suas vidas. Diferentes comportamentos, padrões e expectativas éticos e morais estão presentes em todos os espaços. É por isso que os adultos – na escola e fora dela – devem ter a responsabilidade de valorizar as atitudes humanas e de explicar a importância dessas, bem como de recusar o comportamento antiético e imoral nas pequenas e grandes escolhas cotidianas e não apenas condená-los verbalmente.
Se a escola é um espaço social, onde convivem pessoas muito diferentes, é natural que situações de conflito ocorram ali, já que esses são inevitáveis aos grupos sociais. No caso das crianças: a relutância em emprestar um brinquedo, uma revista ou um objeto; as disputas; as competições; as resistências em seguir as regras; as agressões, entre outros são recorrentes. Logo, esses são alguns dos conteúdos que devem ser trabalhados pelos educadores.
Também é comum presenciarmos situações onde as crianças diminuem, ignoram ou humilham o colega. Seja porque ele não se veste com as roupas de marcas consideradas mais tops; não possui os mesmos objetos de valor (como aparelhos eletrônicos); não é considerado bom nos jogos; não frequenta os mesmos espaços sociais; segue alguma religião vítima de preconceito; é negro; não tem as mesmas referências de gênero ou não está dentro dos padrões de beleza estabelecidos por alguns grupos sociais.
Os pais ou professores sempre devem se questionar: como podemos ensinar as crianças a não ficar com o que não lhes pertence? Como aprenderão a respeitar o outro? Como passarão a validar uma determinada conduta? Será que é apenas pelo medo da punição e do castigo que passarão a agir eticamente? Como ensinar as crianças a respeitar o colega? Como ensiná-las a dividir um brinquedo?
Quando nos deparamos com o comportamento inadequado das crianças e dos adolescentes, a nossa tendência é reprimir o erro verbalmente: “Não faça isso mais.” Ou através de castigos: proibir a criança de assistir um desenho ou retirar um brinquedo. No entanto, para a formação de valores enraizados de maneira mais profunda, o mais importante é a reflexão sobre o que representa a atitude da criança e quais são as consequências dessa sobre si, sobre os outros e sobre como seria o mundo se todos agissem da mesma maneira. É preciso que elas e os adolescentes entendam a natureza do erro e como o mesmo prejudicou o outro. Esse exercício, embora cansativo, é muito importante.
Além disso, é preciso que a escola e as famílias não só se esforcem para transmitir valores éticos, mas, sobretudo, que vivam estes valores. Portanto, se escolhermos uma vida mais ética, precisamos viver eticamente. Parece difícil fazer esta escolha, mas é possível recusar determinadas atitudes e valores e adotar outros.
Ou seja, se esperamos ser tratados com respeito, devemos respeitar; se esperamos atitudes educadas no trânsito, devemos agir desta forma; se queremos solidariedade, temos que ser solidários. Se desejamos que nossos filhos não sejam violentos, devemos educá-los sem violência. Aliada a esse comportamento está a necessidade de compreensão da importância de se analisar sempre o que significou aquele erro e as consequências desse sobre si e sobre os outros. Assim, os exemplos oferecidos pelos adultos são percebidos pelas crianças como um modelo, uma referência de comportamento e atitude.
Por conseguinte, temos certeza de que as crianças aprendem com as suas vivências e experiências escolares, familiares e sociais. O ditado popular: “faça o que eu digo e não faça o que eu faço” ilustra bem a condição em que se coloca o ato de educar. O princípio jamais poderá ser o da expressão acima, porque as nossas ações ensinam e dizem mais do que as nossas palavras.
A palavra ética tem origem grega, “ethos”, que significa “caráter”. Para o professor e filósofo Mário Sérgio Cortella, é a nossa capacidade de olhar para nossos princípios e valores. Sem esta capacidade, teremos dificuldade de ter alteridade, ou seja, de nos colocarmos na posição do outro, de conviver com as diferenças e de respeitar os direitos dos outros. Ética é, portanto, para o professor Cortella, o conjunto de princípios e valores de conduta, que uma pessoa ou um grupo de pessoas têm e que ajudam a decidir sobre três grandes questões da vida: quero? Devo? Posso?
Tendo em vista tais questões, o problema que se coloca é: como alguém aprende o que deve, precisa e pode fazer, considerando não apenas a si, mas também o outro? Para este filósofo, é através dos exemplos, dos princípios e da normatização. A ética é o princípio, já a moral, é a prática. Para elucidar o tema, o professor vai adiante: “se o princípio ético de alguém é não pegar o que não lhe pertence, o comportamento moral será: roubo ou não?” Assim, um princípio se traduz em uma moral. Portanto, é preciso ajudar as crianças e adolescentes a decidir, a julgar, a avaliar atitudes e comportamentos a partir de princípios que sejam mais humanos.
Esta prática nos leva a outro questionamento: como a criança aprende a ter uma ética humanizadora e a respeitar as regras sociais? Para o professor de filosofia da Universidade de São Paulo, Clóvis de Barros Filho, ética é algo que se aprende a partir do momento em que a criança começa a conviver com outras crianças. Ou seja, desde bem pequenas. Para ele, quando a criança começa a conviver com os seus pares, ela passa a viver vários conflitos e desafios, sendo esses os instrumentos que permitem a reflexão sobre determinado problema.
Ensinar ética para as crianças, a partir dos conflitos que elas vivem, é uma das nossas estratégias de ensino. O que isso significa? Significa que é importante reconhecer e legitimar os conflitos vividos pelas crianças, pois esses são reais e através deles podemos ensiná-las sobre o significado de atitudes éticas ou não: do respeito, da cooperação, da liberdade, solidariedade e responsabilidade, da violência, da traição, da mentira, do furto, da calúnia. Imaginemos a seguinte situação: quatro crianças estão brincando no faz de conta. Em determinado momento, uma delas toma o brinquedo da outra e diz que não emprestará o mesmo para ninguém, pois esse lhe pertence. A outra criança, que também queria o objeto, fica irritada e bate no colega. Esse exemplo envolve duas crianças. Mas poderíamos trazer um exemplo envolvendo adolescentes: como a situação de um adolescente que fotografou a namorada ou a colega sem roupa e enviou a foto para os colegas.
Estas situações são consideradas como conteúdo de ensino, porque permitem analisar a atitude das duas crianças (a que não emprestou e a que bateu) e dos adolescentes (quem fotografou e enviou, quem pousou, quem recebeu a foto).
Antes de iniciar a reflexão sobre um conflito, devemos acalmar as crianças ou adolescentes. Reconhecendo que qualquer pessoa pode se irritar, mas para não agredir ninguém, é preciso se distanciar e só voltar a pensar sobre o ocorrido, quando estivermos calmos. A reflexão – e mesmo a construção de uma estratégia de ação consequente – só são possíveis com o autocontrole. Há aí um desafio: pois quanto mais centrais para nós são os valores em que nós ou as crianças somos atingidos (nossa honestidade, nossa lealdade, nossa responsabilidade, nosso respeito com os outros), mais emocionais tendem a ser os efeitos sobre nós e sobre os outros – indignação, raiva, humilhação – e mais difícil a reflexão. No entanto, nestas circunstâncias, a paixão serve mal à paixão. Reações – das crianças e dos adultos – no calor da hora, enfraquecem os valores que queremos promover e tiram a razão daqueles que a teriam. Assim, o próprio ato de acalmar as crianças, também é educativo, pois elas passam a reconhecer situações que as deixam mais irritadas e aprendem a adotar estratégias para se acalmarem, como: sair do foco de tensão, beber água, lavar o rosto, respirar fundo.
Tão logo as crianças e adolescentes se acalmem, podemos analisar a situação em toda a sua complexidade, fazendo a reflexão junto com todos ou individualmente. Tendo em vista a dificuldade de socializar o brinquedo, poderíamos discutir: como podemos brincar juntos? Como podemos dividir o tempo de cada um? O que é um brinquedo coletivo? O que é emprestar? Como resolver um problema conversando, por que não podemos agredir o colega? O que é agredir?
No caso dos adolescentes: O que é o espaço público e privado? O que podemos fazer em cada um destes espaços? Que cuidados devemos ter ao usar a internet? O que é evasão de privacidade? Por que expor uma colega? Que riscos a colega foi exposta? Por que a nudez da menina foi exposta?
As reflexões feitas, a partir de uma situação ocorrida, permitem às crianças e adolescentes pensar sobre os princípios dos erros cometidos e sobre as consequências desses. Possibilita a construção de formas de reparações. Viabiliza o entendimento da fragilização da relação com o outro. Permite que os envolvidos se coloquem no lugar do outro e infiram o que foi vivido e sentido. Por fim, cria condições para a elaboração dos termos de um acordo, incluindo a responsabilização por esse.
Quando só punimos alguém e não percorremos todo esse caminho, não construímos a compreensão sobre a natureza da situação; sobre o porquê do erro, sobre as causas do conflito; sobre os sentimentos do outro; sobre a violação de um direito. A punição pode levar os envolvidos a abandonar um comportamento, em virtude do medo de uma autoridade. Porém, o modelo punitivo, reforça a heteronomia. Ou seja, a sujeição a uma lei exterior ou à vontade de outrem. Isso significa que a regra pertence ao adulto, que determina o que é certo ou errado. O importante é aprender a agir com autonomia. Isso só é possível quando se aprende a refletir sobre um erro e a entender a natureza de uma regra ou lei, bem como a sua necessidade ou não. Kamii (1992) destaca: “Os adultos reforçam a heteronomia natural da criança quando usam de recompensa e punição; eles incentivam o desenvolvimento da autonomia quando trocam ponto de vistas com a criança”.
Para Kamii, a pura punição leva a criança ou adolescente a:
- Calcular o risco de suas atitudes. Ou seja, eles avaliam as possibilidade de serem pegos realizando um erro e, diante disso, analisam: vale a pena correr o riso e ter prazer fazendo o que eu quero? Eles sabem que poderão ser punidos e como serão punidos. E assim tomam uma decisão.
- Seguir as regras impostas cegamente. Nesse caso, a criança ou adolescente passa a obedecer, sem questionar, a ordem do adulto, seja pelo medo ou porque quer agradá-lo. Portanto, ele(ela) não está agindo com autonomia, já que não demonstra compreensão sobre a natureza do erro e nem sobre as suas consequências.
- O terceiro resultado pode ser entendido como a revolta, que geralmente é baseada na raiva. A criança e o adolescente, frente às punições expiatórias e sem entender a natureza de seu erro, se sentem injustiçadas, se cansam de seguir as regras sem entendê-las e, por isso, passam a ignorá-las.
As recompensas, assim como as punições, são utilizadas por pais e professores. Quando esperamos que as crianças ou adolescentes sigam uma regra ou tenham um bom comportamento, oferecemos uma recompensa. Porém, a recompensa e a punição puras não contribuem para o desenvolvimento da moralidade. Essas atitudes reforçam a heteronomia, pois o poder está no adulto. É o adulto que determina o que deve ou não ser feito e não a própria criança ou adolescente. Os pais e professores passam a ser os controladores das ações e, diante disso, passamos a ter outro problema: como as crianças aprenderão a decidir? Quem decidirá por elas no futuro? Se elas não viverem essas experiências, como poderão se tornar autônomas moralmente?
Além disso, a reflexão não elimina a sanção e nem a responsabilização dos atos. É preciso destacar que os castigos que humilham ou ferem fisicamente não são educativos. O mais adequado é adotar o que chamamos de sanções por reciprocidade. Ou seja, a sanção deve ser coerente com o ato cometido, além de ser proporcional. Um exemplo de sanção por reciprocidade é: uma criança bateu em outra, durante o jogo de pátio. O professor ou pais, além de realizarem toda a reflexão e acordos, já mencionados, deve dizer para a criança que ela não poderá brincar, naquele dia, com aquele que foi agredido. Após a aplicação da sanção é necessário explicar porque aquela atitude foi tomada e porque a criança não poderá ficar com quem apanhou.
Em muitos casos, quando nossos filhos ou alunos cometem um erro com alguém, rapidamente exigimos que eles peçam desculpas. E as crianças pedem. Mas esse pedido pode tornar-se mera formalidade e não representar o arrependimento ou a mudança de atitude. Ás vezes, quando ocorre algum problema, em lugar público e não podemos fazer a reflexão antes, o pedido de desculpas deve anteceder a reflexão. Mas é importante que esse ocorra após o entendimento, por parte da criança, do que representou o seu erro e como a sua atitude feriu o outro.
Ou seja, o pedido de desculpas, após um conflito, deve ser sincero e acompanhado da tentativa de reparação e mudança de atitude. Ele não é uma mera formalidade social. Pedir desculpas e repetir sucessivamente o erro, não demonstra mudança de comportamento. Muitas crianças e adolescentes, para se livrarem rapidamente de uma situação de conflito, dizem impulsivamente “desculpa”. Mas ele não está arrependido e nem pretende mudar.
É a reflexão, com a ajuda do adulto, que permite que a criança perceba o que fez. É comum encontramos pais e professores, que quando percebem que a criança fez algo errado, dizem para ela ir para a “cadeira do pensamento”. Será que a criança sozinha é capaz de fazer as reflexões necessárias sobre o seu ato? Esta atitude não trará nenhuma mudança, nenhum aprendizado, porque as crianças pequenas, como ainda são heterônomas, não são capazes de analisar, sozinhas, as consequências de suas ações. Além do que, identificar o pensamento com castigo e punição não é o tipo de atitude que desejamos ver consolidado nas novas gerações.
A análise das situações de conflito também permite que a criança se envolva afetivamente com o problema. Muitas vezes, elas sofrem quando percebem o mal que causaram a alguém, que esse está triste ou sofrendo em virtude de suas atitudes. Ou seja, diante de um conflito, o afetivo e o cognitivo operam juntos. A afetividade e a inteligência podem ter dimensões diferenciadas, mas são inseparáveis na formação psíquica do sujeito.
Para o filósofo e psicólogo Henri Wallon, estudioso do comportamento da criança, os conflitos são essenciais ao desenvolvimento da personalidade. Para ele o conflito é inevitável, porque está presente onde há diferença. Como as pessoas são múltiplas e diversificadas, não há como evitá-lo. De acordo com a pesquisadora Conceição Lima, “no cotidiano escolar, essencialmente heterogêneo, é imprescindível que o conflito seja encarado como possibilidade favorável ao desenvolvimento emocional e intelectual dos sujeitos envolvidos no processo ensino aprendizagem.”.
Além dos aspectos já mencionados, é preciso salientar que as situações de conflitos, geram tensões e essas possibilitam que a criança e o adolescente pensem sobre as causas dos mesmos. Desta forma, eles podem ultrapassar as fronteiras do próprio pensamento para conhecer e entender diferentes pontos de vista, sentimentos e desejos. Esta é a única maneira de aprendermos a conviver com as diferenças e respeitá-las.
Outros aspectos precisam ser mencionados para atuarmos de forma coerente com a pedagogia da ética. O primeiro é o de que professores, pais e responsáveis, precisam estar preparados para entender os conflitos e para ajudar as crianças e adolescentes a enfrentá-los e a aprender com eles. Muitas vezes, o despreparo do adulto para lidar com as diferentes questões que surgem no cotidiano geram outros conflitos. O segundo aspecto está relacionado às expectativas do adulto em relação às crianças e adolescentes. O adulto espera encontrar um sujeito idealizado e não um sujeito real. A criança idealizada segue todas as regras estabelecidas pelos pais ou pela escola, ela sempre demonstra equilíbrio emocional, ela não bate, não morde e não briga nunca omite a verdade. Será que esta criança existe?
Mas as crianças e adolescentes são reais e não pertencem ao mundo da fantasia e, quando o adulto se confronta com os erros cometidos por eles, entende que estes atos são afrontas pessoais. Elas podem até ser, mas nem sempre! É preciso compreender que, do ponto de vista ético, ninguém nasce pronto e nunca ficará pronto. Sempre temos muito que aprender e mudar. Além disso, o ato de educar é demorado, requer paciência, dedicação e muito investimento. Os nossos filhos e alunos, assim como nós, em cada etapa da vida enfrentam novos desafios e, portanto, precisam aprender a enfrentá-los com mais segurança, confiança e boa vontade.
Pais e professores, muitas vezes, se sentem cansados, despreparados e irritados diante de alguns conflitos ou da persistência de alguns comportamentos. Esses sentimentos são perfeitamente compreensíveis. Quando os pais e educadores estão irritados, é importante que explicitem para os filhos ou alunos que se sentem assim, mas que logo que se acalmarem, poderão conversar com a criança. É lógico que esta irritação nem sempre acontecerá, exceto se pais ou professores estiverem passando por um momento de forte pressão emocional. Em alguns contextos, o descontrole do adulto não foi provocado pela criança, mas por problemas em outros âmbitos da vida. Porém, no momento em que a criança demanda atenção e interfere na rotina do adulto, a irritação é despertada. O adulto, portanto, precisa conhecer a si mesmo para saber o que provocou a sua irritação, se acalmar e, só então partir para a sua tarefa de educador.
É importante que reconheçamos a nossa humanidade, nossos sentimentos e dificuldades para a criança e o adolescente. Esta atitude nos aproximará de nossos filhos ou alunos. Quando o adulto diz que precisa de tempo para se acalmar e pensar, ele age de maneira coerente com o aquilo que propõe aos filhos e alunos. Mas, é necessário que o conflito não seja esquecido. Tão logo a tranquilidade seja retomada, o adulto fará a reflexão e, junto com a criança, decidirá o que fazer. Agir no calor de uma situação pode nos trazer vários problemas, que podem ter várias consequências sérias, comprometendo tudo o que foi construído até então.
A preparação para lidar com os conflitos infantis e juvenis pode ocorrer através de inúmeras formas e recursos: da reflexão sobre a própria experiência de vida, da troca de experiências com outras pessoas, amigos ou profissionais; através das relações que são estabelecidas com as crianças, pois permitem a criação de um conjunto de recursos didáticos; de cursos; das reuniões escolares; diferentes materiais informativos e de livros.
O mais importante, no que se refere à preparação, diz respeito à necessidade de observação, que deve estar presente na sala de aula e em casa. Conhecer as atitudes, comportamentos, formas de interagir das crianças e adolescentes com os quais convive. Entender a natureza dos problemas que estão enfrentando, bem como as dificuldades de relacionamento ou éticas são boas estratégias para se construir um leque de formas de mediação e ação.
Educar é um ato de coragem, força, dedicação, empenho, compromisso, responsabilidade e de revisão de suas atitudes e valores. Erramos eticamente com as crianças e adolescentes quando não assumimos que erramos e quando não buscamos rever nossas posições. Para educar alguém é preciso também se educar. Paulo Freire explicita bem esse pensamento: “O aprendizado do ensinante ao ensinar não se dá necessariamente através da retificação que o aprendiz lhe faça de erros cometidos. O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica à medida que o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas posições.” Ensinar para a ética significa estar permanentemente aberto às transformações que precisam acontecer em nós.
Nestes vinte anos de Diversitas, foi possível acompanhar a mudança e o aprendizado de inúmeros alunos e foi possível presenciar as primeiras interações e conflitos de todos. Os choros, as mordidas, as brigas, a resistência às mudanças e aos valores éticos foram vividos e continuarão a ser, porque estão presentes dentro de cada criança e adolescente. Aqui, a formação para a ética é alma da escola e de nosso projeto pedagógico.
Paulo Freire diz que ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exemplo. E este é o nosso grande objetivo. Como é possível falar de justiça, de respeito, de direito, de dignidade humana se não corporeificamos estas palavras? Nossos filho e alunos nos cobrarão coerência e justiça.
Mais de uma vez ouvi alunos dizerem: “professora, quando estamos na fila da cantina, tem professor que passa na frente dos outros. Professor não tem que enfrentar fila?” “Meu pai me diz para não falar palavrão, mas ele vive falando.” “Professora, você diz que meninos e meninas têm os mesmos direitos e podem escolher suas brincadeiras. Mas outro dia, uma moça disse que menina não senta no chão, porque é muito feio.” “Minha mãe me proíbe de usar o celular na hora do almoço, mas ela vive fazendo isso.” O que esses comentários representam? Uma reivindicação pela justiça e pela corporeificação daquilo que ensinamos.
Uma criança ou adolescente ao fazer tais exigências, demonstra compreensão do conceito de justiça, da universalidade de princípios e normas, ou seja demonstra atitudes éticas e cidadãs. Não foi raro, nestes 20 anos, encontrar um ou uma adolescente pedir ajuda à professora ou professor, quando percebia que o colega estava em situação de risco. Estas atitudes não ocorreram apenas pelo afeto, mas pela responsabilidade e compromisso que tinham com o outro.
Assim, é preciso entender que a nossa tarefa não se esgota em uma conversa. É preciso compromisso do adulto, persistência e dedicação. Essa é a trilha da formação humana e cidadã.
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