É… e ninguém para a luta feroz pela igualdade. A próxima grande batalha contra a opressão das mulheres está para acontecer: será às dez para dez, no recreio.
– Patrícia, quantas horas são?
– 9h45.
– Guarda o caderno e, assim que a professora abrir a porta, você corre e pega a merenda na cantina. Enquanto isso, eu vou para a quadra para chegar antes dos meninos.
– Tá certo.
Quando Patrícia chega com a sua merenda e a de Carla, a confusão já acontecia.
O poder não vai ser entregue assim, de bandeja.
– Renato, sai da quadra porque hoje é o nosso dia! O dia das meninas usarem a quadra!
– Não saio! Para que vocês precisam de quadra?! Menina chata! A quadra é para os meninos jogarem futebol!
– Mas nós também queremos usar a quadra. Seja para jogar futebol ou queimada. No nosso dia podemos jogar o que quisermos.
– Mas daqui eu não saio. Quero ver se tem alguma menina pra me tirar daqui. Ei, Maurício, vá buscar a bola do Rodrigo. O Marquinho será o goleiro. O Murilo vai chamar os meninos das turmas de nove e dez anos para fazerem o outro time.
– Olha aqui, seu Renato, se o senhor pensa que vai jogar nesta quadra no dia das meninas, o senhor está muito enganado.
Carla, Patrícia e as meninas saem da quadra. Quando a força é desproporcional, só resta uma alternativa: a tática de guerrilha!
– Olha, vamos comer bem rápido. Anda logo, Patrícia, engole todo o suco. O Renato é esperto, mas eu também sou. Ele agora chama os meninos de 9 e 10 anos para jogarem com a nossa turma, só porque a bola do Rodrigo é boa e também para ficar na quadra nos dias dos meninos menores. Agora, ele quer pegar até o dia das meninas, mas ele vai ver.
– Carla, Carla você pensa bem no que vai fazer para não criar problemas. Qual é o seu plano?
– Eles estão jogando bola e vamos atravessar a quadra correndo. Todas juntas. Vamos avacalhar o jogo deles. Vamos…
E começam as hostilidades. Os meninos trombaram nas meninas e vários caíram. Choro, gritos, empurrões e…
Nesse momento, Renato sai da quadra, furioso e começa a correr atrás da Carla. Dá um chute na sua canela. Carla dispara a chorar e dá outro chute no Renato. Quando a professora vê todo aquele tumulto, grita e pede para todos pararem com aquela confusão.
– O que está acontecendo aqui? Vocês estão loucos? Carla, por que você está brigando com o Renato?
– Professora, nós queremos jogar na quadra. Já falei para o Renato fazer um time misto ou para respeitar o nosso dia de quadra, mas ele e os outros meninos não deixam.
– Cala a boca, sua chata. Professora, essa menina é muito nojenta. Elas pedem para ter dia de quadra, mas não sabem jogar nada. Ficam lá só jogando queimada ou brincando de outras bobeiras. Mas nós temos que ter a quadra, porque nós jogamos é futebol. Agora, elas inventaram que sabem jogar futebol, mas não sabem nada.
– Olha, pessoal, vocês vão parar de brigar. Não dá para resolver esses problemas com tanta briga e gritaria. Na assembleia, vamos conversar sobre esse assunto e reorganizar os horários da quadra.
– Professora, nós podemos até fazer a assembléia e definir um novo horário de quadra. Coisa que até já fizemos! Mas nada vai mudar, porque o problema é que o Renato nunca respeita as regras que fazemos nas assembleias. Além disso, ele acha que menina não pode jogar futebol, porque futebol é coisa de homem.
– Então, Carla, o que vamos fazer é conversar sobre o que é coisa de menino e o que é coisa de menina. Vamos começar lendo uma história da Ruth Rocha muito parecida com a história de vocês: “Faca sem ponta, galinha sem pé”. Depois de ler esse livro, poderemos falar sobre o assunto e encontrar algumas maneiras para organizar as brincadeiras. De qualquer forma, o recreio acabou e temos que subir. Vamos turma, está na hora!
Quando a professora vira as costas, meninos e meninas se encaram. A raiva dos meninos e das meninas estava estampada no rosto de cada um. Eles dirigiram-se para as escadas como se a guerra estivesse apenas começando.
– Carla, você me paga. Hoje não jogamos nada por sua causa.
– Renato, você está com raiva porque a primeira batalha nós já vencemos! Amanhã, a luta continua.
Pois, é… continua. Mas conseguir que ela seja travada na arena das palavras e dos argumentos, onde a força não vale, já é uma vitória.
Jacqueline Pádua de Oliveira
Professora e Coordenadora do Colégio Diversitas. Graduada em Língua Portuguesa.
Pós graduada em Alfabetização. Mestre em Educação pela PUC-Minas
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