Por Gabriel Dias de Carvalho Júnior
Gabriel Dias de Carvalho Júnior é licenciado em Física pela UFMG, Mestre e Doutor em Educação pela FaE/UFMG. Foi professor de Física nas redes pública e privada entre 1990 e 2008. Desde 2008, é professor no IFMG. Atualmente, ocupa o cargo de Diretor de Pós-Graduação na Reitoria do IFMG. Atua como docente/orientador no ProfEPT desde 2018. gabriel.carvalho@ifmg.edu.br
Introdução
As discussões mais recentes no campo da didática têm sido orientadas no sentido de que é necessário, cada vez mais, dar voz aos estudantes, no sentido de permitir que eles explicitem suas concepções, seus conhecimentos, seus anseios e suas necessidades. Uma educação que permita a cada um e cada uma o desenvolvimento de suas potencialidades e de seus projetos. Nesse sentido, não nos é mais possível insistir em abordagens didáticas que privilegiem, meramente, a transmissão de conteúdos descontextualizados e baseados em reprodução acrítica de dados e de processos, algo que era criticado por Paulo Freire e que pode ser resumido pelo conceito de “educação bancária”.
Essa necessária atualização didática possui inúmeras vertentes, como todos os tipos de metodologias ativas, a busca de um modelo adequado para a gamificiação aplicada à escola, o uso das modernas tecnologias como apoio didático, dentre outros. Em comum, essas iniciativas pretendem desenvolver o protagonismo do sujeito em seu próprio processo de aprendizagem. Essas iniciativas encontram eco na psicologia cognitiva, sobretudo a partir dos estudos conduzidos em Genebra por Piaget e seus colaboradores. No âmbito da epistemologia piagetiana e neopiagetiana, o saber forma-se a partir de problemas a serem resolvidos e o processo de busca de respostas a esses problemas é constitutivo do desenvolvimento e das consequentes aprendizagens.
Nesse contexto, a iniciação científica na educação básica brasileira deveria estar na pauta de todas as discussões sobre novas organizações curriculares.
As competências desenvolvidas, os conhecimentos construídos e os processos aprendidos em projetos de pesquisa são, sem dúvida, decorrências da participação ativa de um estudante em um projeto de pesquisa. Esse tipo de abordagem, como veremos, contribui sobremaneira para que se materialize uma proposta de educação libertadora, comprometida com a aprendizagem significativa de todos os estudantes e que lhes permita, verdadeiramente, a construção de sua autonomia cognitiva.
O processo de aprendizagem via iniciação científica
O psicólogo francês Gérard Vergnaud afirma, sobre o processo de aprendizagem, que, “no início, era a ação”! Importante perceber que há um ponto muito importante nessa afirmativa que revela, claramente, a filiação piagetiana do autor: conhecer um objeto é agir sobre ele e sofrer a ação dele. Só conhecemos bem quando há interação entre nós e os objetos do conhecimento!
Nesse processo, há sucessivas aproximações entre o sujeito e os objetos de conhecimento, sendo que esse movimento recursivo é constituído por sucessivas tentativas, erros, reorganizações, novas tentativas etc. Em busca da construção do conhecimento, o sujeito cria hipóteses, busca maneiras de validá-las, avalia resultados de suas ações, planeja novamente as ações até que os resultados obtidos sejam satisfatórios. Isso equivale a dizer que o sujeito utiliza seus esquemas frente a uma situação, nas palavras de Vergnaud.
Aqui, torna-se clara a conexão entre o desenvolvimento de um projeto de pesquisa e o mecanismo humano de aprendizagem. Em um projeto de pesquisa, são formuladas perguntas e hipóteses sobre o objeto. Para testar essas hipóteses, são construídos mecanismos da pesquisa. Os dados construídos durante a pesquisa são avaliados e confrontados com as hipóteses, podendo haver novas incursões e direcionamentos em função do transcorrer da pesquisa.
Essa similaridade revela o enorme potencial que a iniciação científica pode ter no processo de aprendizagem dos estudantes. Claro está que a iniciação científica necessita permitir que o estudante participe de forma ativa de todas as etapas do processo e não seja, apenas, um executor de certas etapas que não fazem sentido para ele. Para isso, o docente orientador do projeto deve dispor condições adequadas para construir o projeto e orientar os estudantes de forma adequada para poder se implicar em uma atividade complexa e que exige um grande investimento temporal e intelectual.
A relação com os eixos cognitivos do ENEM
Para que possamos mostrar a importância dos projetos de iniciação científica revelada em documentos oficiais da Educação nacional, vamos avaliar os eixos cognitivos do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Dominar linguagens: Durante a iniciação científica, será possível que o estudante interaja com diversas linguagens, o que irá contribuir sobremaneira para a diversificação das aprendizagens.
Compreender fenômenos: A essência dos projetos de pesquisa é, essencialmente, compreender os fenômenos de todas as naturezas.
Enfrentar situações-problema: O saber se forma a partir de problemas a serem resolvidos. O desenvolvimento de um projeto de pesquisa é, essencialmente, o enfrentamento de situações.
Construir argumentação: Os relatórios de pesquisa devem ser construídos no sentido de explicitar os pontos de partida, os processos, o mecanismo de avaliação dos dados e as conclusões. Nesse processo, o estudante necessita construir uma sólida argumentação que ligue todos os passos de sua pesquisa.
Elaborar propostas: O conhecimento acerca de determinado fenômeno ajuda o estudante a elaborar propostas de intervenção na realidade.
Conclusão
Neste breve texto, procuramos apresentar algumas bases conceituais que apoiam a inclusão de projetos de iniciação científica no âmbito da educação básica. Tal ação exige uma profunda alteração na dinâmica das aulas, nas abordagens didáticas, nos tempos escolares e, também, nos regimes de trabalho dos profissionais de educação. Trata-se, portanto, de uma nova escola!
Uma escola que mais se aproxima das necessidades de formação dos estudantes e dos mecanismos de aprendizagem humanos. Uma escola que coloca, de fato, os estudantes no centro do processo e vale-se da pesquisa como princípio pedagógico. Esse é um caminho que dá respostas mais significativas e profundas à necessária aproximação da Educação nacional com os países que demonstram os melhores resultados nos seus processos educativos.
Fonte: REVISTA BIS – ANO 12 | Nº54 | ABR/JUN 2021 [SinepMG]